Interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça mostram como
poderiam ter acontecido supostas articulações de agentes públicos e
empresários para liberação de pagamentos na administração pública,
práticas consideradas ilegais por órgãos de fiscalização. O conteúdo
obtido com exclusividade reforça uma ação ingressada pelo Ministério Público (MP) do Amapá
contra um vereador da capital amapaense, um ex-secretário municipal de
Finanças e o dono de uma empresa que prestou serviços à prefeitura de
Macapá.
A possível influência política com auxílio de um parlamentar para
liberação de pagamentos a empresas com dinheiro público aconteceu em
2010. O vereador Gian do NAE, do PMDB, teria obtido vantagem indevida
para conseguir a quitação de débitos da prefeitura de Macapá
com a empresa M. V. B. Serviços, de propriedade de Felipe Edson Pinto,
ambos denunciados por corrupção. O parlamentar ainda teria suposto
auxílio de advocacia administrativa praticada pelo então secretário de
Finanças Jocildo Lemos. As acusações são do Ministério Público. A
influência do vereador seria em troca de materiais de campanha, diz a
denúncia.
Jocildo Lemos afirmou que 'houve processo legal para o pagamento'.
Felipe Edson também negou os crimes classificando as acusações do MP de
"especulações". Entramos em contato com o vereador
Gian do NAE por telefone e na Câmara Municipal, mas o parlamentar
indicou o advogado dele, José Augusto, para comentar o caso, no entanto,
a defesa não atendeu aos telefonemas.
Áudios de interceptações telefônicas de diálogos entre o vereador
macapaense e o empresário fazem parte das provas colhidas durante a
operação Mãos Limpas, deflagrada em outubro de 2010, pela Polícia
Federal (PF). Quase vinte agentes públicos amapaenses foram presos,
entre eles, o ex-governador, a ex-primeira-dama e o governador à época.
De acordo com a denúncia do MP, foram efetuados o pagamento R$ 230.326 à
empresa M. V. B. Serviços, em 2010, depois das negociações
intermediadas pelo vereador Gian do NAE.
“Antes mesmo que a prefeitura efetuasse o pagamento em favor da empresa
de Felipe, o vereador, na certeza de suas articulações, foi flagrado
pedindo uma espécie de ‘adiantamento’ da vantagem indevida para mandar
confeccionar material de campanha, posto que foi candidato a deputado
estadual naquele ano”, diz trecho da denúncia.
Um diálogo por telefone entre Gian do NAE e Felipe Pinto colabora com a
tese do Ministério Público, segundo consta na ação. Veja abaixo:
Gian do NAE: Felipe.
Felipe: Hum.
Gian do NAE: Eu preciso resolver aquele meu problema hoje bicho.
Felipe: Pois é cara, eu to dependendo disso que eu to...
Gian do NAE: Mas pelo menos um zero só pra eu mandar fazer santinho e cartaz logo, melhor.
Felipe: Tá bom.
Felipe: Hum.
Gian do NAE: Eu preciso resolver aquele meu problema hoje bicho.
Felipe: Pois é cara, eu to dependendo disso que eu to...
Gian do NAE: Mas pelo menos um zero só pra eu mandar fazer santinho e cartaz logo, melhor.
Felipe: Tá bom.
Mais de cinco interceptações telefônicas subsidiaram a ação contra os
denunciados. Em uma das ligações, o vereador de Macapá entra em contato
com o proprieário da MVB para perguntar o nome completo da empresa.
Durante o telefone, o parlamentar repassa a informação ao ex-secretário
de Finanças Jocildo Lemos. O diálogo acontece as 11h, em 14 de julho de
2010.
Gian do NAE: Felipe! Felipe! Como é o nome da firma lá da Prefeitura?
Felipe: MVB!
Gian do NAE: Jocildo, é M.G.B... M.G.B! (Diálogo paralelo com Jocildo)
Felipe: Não! É MV.. “V!”... M”V”B Serviços!
Gian do NAE: Não peraí (diálogo paralelo com Jocildo). MVB o que Felipe?
Felipe: Serviços!
Gian do NAE M.V.B Serviços, Jocildo. (diálogo paralelo com Jocildo) Falou, Jocildo!
Gian do NAE: Eu tava falando com o Jocildo. Era o Jocildo que queria saber.
Felipe: MVB!
Gian do NAE: Jocildo, é M.G.B... M.G.B! (Diálogo paralelo com Jocildo)
Felipe: Não! É MV.. “V!”... M”V”B Serviços!
Gian do NAE: Não peraí (diálogo paralelo com Jocildo). MVB o que Felipe?
Felipe: Serviços!
Gian do NAE M.V.B Serviços, Jocildo. (diálogo paralelo com Jocildo) Falou, Jocildo!
Gian do NAE: Eu tava falando com o Jocildo. Era o Jocildo que queria saber.
No mesmo dia, em 14 de julho, por volta de 13h, Gian do Nae liga
novamente para Felipe Edson. Ele informa ao proprietário da MVB que o
pagamento foi autorizado pela prefeitura de Macapá.
Gian do NAE: Eu fui lá com o Jocildo, tá autorizado, entendeu?
Felipe: Hum.
Gian do NAE: O problema é que tá bloqueada a conta da Prefeitura.
Felipe: Hum.
Gian do NAE: Tá autorizado, diz que pode ser hoje ou amanhã....
(...)
Felipe: Hum.
Gian do NAE: O problema é que tá bloqueada a conta da Prefeitura.
Felipe: Hum.
Gian do NAE: Tá autorizado, diz que pode ser hoje ou amanhã....
(...)
Toda suposta influência política do vereador para o pagamento da
empresa acontece em apenas um dia. Por volta de 17h, ainda em 14 de
julho, o vereador de Macapá telefona mais uma vez para Felipe Edson e
diz que o dinheiro será efetuado no dia seguinte por causa da
transferência de recursos de uma conta bancária para outra.
Gian do NAE: Ei Felipe!
Felipe: Ei Gian!
Gian do NAE:Deixa eu te falar... eu fui lá com ele... ele tá transferindo o dinheiro de uma conta para outra e vai te liberar o cheque de manhã cedo.
Gian do NAE:Entendeu?
Felipe: Ei Gian!
Gian do NAE:Deixa eu te falar... eu fui lá com ele... ele tá transferindo o dinheiro de uma conta para outra e vai te liberar o cheque de manhã cedo.
Gian do NAE:Entendeu?
O pagamento teria sido confirmado pela própria prefeitura de Macapá, no
portal da transparência. Foram liberados R$ 230.326,59 à empresa MVB
Serviços Ltda. O dinheiro foi pago através de três ordens bancárias,
sendo duas no dia dos diálogos, em 14 de julho e outra dois dias depois,
em 16 do mesmo mês.
Outro lado
Entramos em contato com todos os citados na denúncia. Mas apenas Jocildo Lemo quis gravar entrevista. Ele afirmou que "houve processo legal para o pagamento" com passagens pela Controladoria-Geral (Cogem) e Procuradoria-Geral do Município (Progem).
Entramos em contato com todos os citados na denúncia. Mas apenas Jocildo Lemo quis gravar entrevista. Ele afirmou que "houve processo legal para o pagamento" com passagens pela Controladoria-Geral (Cogem) e Procuradoria-Geral do Município (Progem).
"Todos os pagamentos eram orientados pelo gestor municipal. Eu afirmo
com toda certeza que os débitos eram quitados mediante a autorização da
controladoria. As secretarias faziam todo o processo e a Semfi somente
finalizava os pagamentos. A minha relação com o vereador Gian era
restritamente institucional e tratávamos de vários assuntos. Sobre esse
assunto, da MVB, não me recordo de ter lembrado de conversar sobre isso.
Nunca falei de pagamentos com qualquer vereador. Quanto ao empresário,
eu não o conheço", disse Lemos.
Em nota, mesmo com as provas incluídas na denúncia, Felipe Edson disse
que a ação do MP é “mentirosa e absurda”. Ele afirma ter "relação de
amizade com Gian do Nae, mas nunca utilizou essa relação pessoal para
pedir favores de natureza empresarial". O empresário completa que
"sequer conhece ou foi apresentado em algum momento ao ex-secretário
Jocildo Lemos".
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